Arquivos da categoria: Literatura e Poesia

PAIXÃO EM DÓ MAIOR

Eu te amei
Amei todas as manhãs quando em minha janela
os pássaros vinham cantar o nome.

Eu te amei
Como uma mãe ama o filho único.
Como o pai que entrega a filha ao noivo.
Como o soldado que se despede da amada.
Como a mulher que fica a esperar o esposo que se foi.
Como a um deus que se reverencia no altar do próprio coração.

Eu te amei mais ainda
Quando de levaram de mim.
Quando o teu corpo gélido me anunciou o fim de tudo.
Quando os teus olhos se desviaram dos meus
e adivinhei a sua recusa.

Eu te amei
Com amor e com dor.
Com pureza e com vício.
Com a obsessão dos loucos.
Que vêem sombras por toda parte.
Com paixão e ódio.
Ódio do dia em que te beijei em meus sonhos.
Ódio da hora em que a lua me anunciou a tua presença.

Ah!
Como eu te amei!
Os mortos não sentem a tortura do sentir.
Felizmente, estou morta.
Sei que é só por isso que não podes falar comigo.

É URGENTE AMAR

É urgente amar.
Entre um gole de vinho e outro
é urgente amar.
Entre a vida que passa
o tempo que escoa
e tudo aquilo que doa
é urgente amar.
Porque um dia
os teus lábios já não serão os mesmos.
a tua boca desejará a minha e ela já não estará mais aqui
os meus olhos que te vê na escuridão de ti mesmo estarão sem luz.
Por tudo isso e muito mais
é urgente amar.

Amar
antes que o mundo mude
antes que fiquemos mudos
antes que a memória nos traia e nos esqueçamos de tudo
é urgente amar.
Porque o tempo não espera.
Mas eu espero
desde de antigas eras
o teu abraço
o teu beijo
o teu amor
o meu luar nos braços do teu mar…
eu te espero, meu amor.

Por isso também
é urgente amar.
antes que acabe o vinho
ainda que eu seja só um pouquinho
do desejo do teu desejo
que eu tanto desejo.
Quer saber,
esquece a vida
esquece a lida
manda tudo pra bem longe
bem pra frente,
porque só há uma coisa urgente:
Amar!

UM CAFÉ

… ainda que eu saiba que não vens, estou a esperar-te para um café.

Diante de mim, um jovem limpa com um pano molhado as folhas de uma planta ornamental.

Ele está apenas fazendo o trabalho dele.
Não me parece nenhum pouco cuidadoso.
Ela responde aos pretensos cuidados com um aroma inesquecível.
Ele se foi.
Ela se recolheu.
E eu…
fiquei pensando nos cacos de poesia nos quais inadvertidamente pisamos.

Diante da vitrine, vejo a mulher que se esconde.
São tantos monstros a carregar na bolsa.
E o que dizer das serpentes a serem esmagadas pelos sapatos?
Ah! e das máscaras para corrigir os sorrisos das rugas felizes?
Pobres vestidos, levantadores de falsos testemunhos!
Senhor, Senhor, por que não nos fizesses cegos?
quem sabe aprenderíamos a amar…
a amar a beleza.

Não chegaste, mas, eu te vejo
sem nome, sem roupas, sem voz
és apenas nós mesmos.
único, como somos quando estamos em nós.
Santas Interjeições, socorram-me.
prometo-vos todos os terços
e quartos!
oh! o que eu digo?
o que me dizes?

há poesia no teu silêncio.
pelo menos, é o que ele me diz
e tu?
preferes o meu silêncio?

morrerei então

Vida

Eu sou a Vida.
Carrego em meu ventre todas as possibilidades!
Sou a doadora do bem e do belo.
Retiro uma porção de mim mesma, modelo um ser e ele toma forma visível.
A alguns dou-lhes o poder de modelar o seu próprio modo de ser.
Ofereço-lhes uma parcela de meus poderes e lhes presenteio com os meus melhores dons.
Acompanho-lhes os passos.
Embalo-os em sonhos.
Guio-os por caminhos que os levem até onde possam tornar-se melhores.
Fertilizo-lhes a imaginação.
Dou-lhes o poder de criar.
É o ser humano.
Aquele que pode dar sentido a sua própria vida, independentemente das circunstâncias.
Este é o segredo que cada um carrega no coração: seu destino, a felicidade.
E para alcançá-la dei-lhe o dom de escolher.
Os caminhos são ricos, exuberantes, perigosos, às vezes exigem espírito de aventura.
São compostos de altos e baixos, pedras e relvas, dias e noites, sóis e chuvas, alegrias e tristezas, flores e espinhos, luz e sombra, dor e prazer…
Mas, caminhos são metáforas.
Metáforas da dualidade que ao mesmo tempo revela a unidade, no desejo de plenitude que todos sentem.
Por essa razão, dei a eles o dom de amar.
Ah! O amor! O amor quer realizar o bem, fecundar o belo.
A dor do amor é a inexistência do ser a quem amar,
posto que, aquele que tem a imagem de um coração amado jamais estará só.
Não se contentando em si mesmo, porque freqüentemente transborda, precisa de outras presenças, de outras pessoas, e pede um modo de expressar-se permanentemente.
Por isso, dei-lhe o direito à liberdade de ser o que desejar ser.
Cada vida tem um sentido maior, inalcançável pela limitada visão humana.
Todas as vidas, porém, independentemente dos julgamentos humanos, têm o seu lugar na orquestra dos mundos para a execução da sinfonia da vida.
E, ainda que eu, a Vida, possa retirar-me desse ser tão especial, não tenho o poder de apagar o que ele se tornou.
Não há meios de apagar o passado, que sobrevive na memória e desafia o tempo.
Afinal, cada um em seu presente constrói o próprio futuro.

Do livro: É tempo de poesia – Terezinha Santana