Ainda sobre Gramática Poética

Felizmente, há pronomes
Para os nossos nomes ficarem elípticos.
Graças a Deus, há palavras substantivadas para revelarem os escaninhos de nossas orações inexistentes.
Salve o encontro de seres que partem do abstrato para o concreto!
Dane-se o português, o francês, o russo, o inglês, o alemão, o italiano… e fique só esse casal moreno, lindo e apaixonado…
Ponto e Vírgula
(Sem ponto final por favor)

POESIA REALMENTE CONCRETA

Eu sei que você gosta de amor meio feijoada.
Cheio de pernas, orelhas, línguas,
palavras de paio e linguiça,
boiando em um caldo insensato.

Amor-feijoada.
Desses que alimentam o corpo e a alma
deliciosamente
com bastante feijão, preto, bem amassado
sal e pimenta a gosto, é claro!

É óbvio que com laranja, couve.
e aquela farofa espalhada pelo corpo inteiro do prato,
agarrada ao arroz como as tuas mãos crispadas de desejo.

Perdoe-me se temos gostos tão diferentes.
É que eu sou lírica.
Gosto da poesia da saladeira prateada
vestida de verdes, laranjas, vermelhos de vários tons e sabores.
Picantes?
Só as alcaparras e… uma gotinha de limão.
Tudo isso carregado de morangos de todos os tipos e formatos.

O que eu posso fazer?
Sou vegetariana.

O QUE AMO EM TI

O que amo em ti
não é senão o riso que a tua presença espalha
em meu mísero espaço apertado de ser.

O que quero de ti?
Quero o teu olhar luminoso
banhando a minha alma em trevas.

O que espero de ti?
Que fiques onde estás.

Tu não me suportarias como sou,
com toda a miserável exuberância do meu ser.
E eu rejeitaria cada desejo teu
que não alcançasse o meu sentir mais pleno.
O que fazer então?
Só olha para mim.
E toca todo meu ser com a tua luz.
E arranca o brilho que a minha alma
Tem em tua presença.

O que posso dar-te?
O desejo de dar à luz a mais bela música
Nascida do encontro do nosso amor.
Do nosso estranho amor.

A MANSUETUDE

A irritação toma conta de mim, nesse instante.
Hoje só me ocorreram contratempos de toda natureza.
A paciência me foge.
Sinto-me um vulcão prestes a explodir.
Estou sufocada, tensa…
Gostaria de largar meus afazeres
Correr desesperadamente para alcançar a paz!
Mas a paz parece distanciar-se de mim cada vez mais…
uma paz, que me parece inatingível.
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Paz… Paz…
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A sonoridade dessa palavra leva-me à reflexão.
Recolho pouco a pouco a minha agressividade.
De olhos fechados, inspiro e expiro profundamente.
A calma vem chegando devagar…
Compreendo, agora, que a paz é um estado interior.
É a calma quando ruge o tufão das adversidades.
É uma sábia senhora, aproxima-se somente dos discípulos que sabem ouvi-la.
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Quero manter-me assim, tranquila,
como uma folha dançando ao ouvir a flauta do vento.
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Suavemente, a própria Paz me adverte:
—“Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a Terra!”.
(Mt. 5:5)

Do livro: É tempo de harmonia. Terezinha Santana

PAIXÃO EM DÓ MAIOR

Eu te amei
Amei todas as manhãs quando em minha janela
os pássaros vinham cantar o nome.

Eu te amei
Como uma mãe ama o filho único.
Como o pai que entrega a filha ao noivo.
Como o soldado que se despede da amada.
Como a mulher que fica a esperar o esposo que se foi.
Como a um deus que se reverencia no altar do próprio coração.

Eu te amei mais ainda
Quando de levaram de mim.
Quando o teu corpo gélido me anunciou o fim de tudo.
Quando os teus olhos se desviaram dos meus
e adivinhei a sua recusa.

Eu te amei
Com amor e com dor.
Com pureza e com vício.
Com a obsessão dos loucos.
Que vêem sombras por toda parte.
Com paixão e ódio.
Ódio do dia em que te beijei em meus sonhos.
Ódio da hora em que a lua me anunciou a tua presença.

Ah!
Como eu te amei!
Os mortos não sentem a tortura do sentir.
Felizmente, estou morta.
Sei que é só por isso que não podes falar comigo.

É URGENTE AMAR

É urgente amar.
Entre um gole de vinho e outro
é urgente amar.
Entre a vida que passa
o tempo que escoa
e tudo aquilo que doa
é urgente amar.
Porque um dia
os teus lábios já não serão os mesmos.
a tua boca desejará a minha e ela já não estará mais aqui
os meus olhos que te vê na escuridão de ti mesmo estarão sem luz.
Por tudo isso e muito mais
é urgente amar.

Amar
antes que o mundo mude
antes que fiquemos mudos
antes que a memória nos traia e nos esqueçamos de tudo
é urgente amar.
Porque o tempo não espera.
Mas eu espero
desde de antigas eras
o teu abraço
o teu beijo
o teu amor
o meu luar nos braços do teu mar…
eu te espero, meu amor.

Por isso também
é urgente amar.
antes que acabe o vinho
ainda que eu seja só um pouquinho
do desejo do teu desejo
que eu tanto desejo.
Quer saber,
esquece a vida
esquece a lida
manda tudo pra bem longe
bem pra frente,
porque só há uma coisa urgente:
Amar!

UM CAFÉ

… ainda que eu saiba que não vens, estou a esperar-te para um café.

Diante de mim, um jovem limpa com um pano molhado as folhas de uma planta ornamental.

Ele está apenas fazendo o trabalho dele.
Não me parece nenhum pouco cuidadoso.
Ela responde aos pretensos cuidados com um aroma inesquecível.
Ele se foi.
Ela se recolheu.
E eu…
fiquei pensando nos cacos de poesia nos quais inadvertidamente pisamos.

Diante da vitrine, vejo a mulher que se esconde.
São tantos monstros a carregar na bolsa.
E o que dizer das serpentes a serem esmagadas pelos sapatos?
Ah! e das máscaras para corrigir os sorrisos das rugas felizes?
Pobres vestidos, levantadores de falsos testemunhos!
Senhor, Senhor, por que não nos fizesses cegos?
quem sabe aprenderíamos a amar…
a amar a beleza.

Não chegaste, mas, eu te vejo
sem nome, sem roupas, sem voz
és apenas nós mesmos.
único, como somos quando estamos em nós.
Santas Interjeições, socorram-me.
prometo-vos todos os terços
e quartos!
oh! o que eu digo?
o que me dizes?

há poesia no teu silêncio.
pelo menos, é o que ele me diz
e tu?
preferes o meu silêncio?

morrerei então